domingo, 5 de julho de 2009

“Se queremos a recuperação, temos de ser pacientes…”

Olivier Blanchard é conselheiro económico e Director do Departamento de Investigação Financeira do Fundo Monetário Internacional, exímio investigador das ciencias económicas - lembrar que é o autor da bibliografia obrigatória que recomendamos aos nossos alunos na disciplina de Macroeconomia- esteve ontem (25 junho) em entrevista na Euronews e traz a sua opinião sobre como lidar com a crise económica e financeira global! Boa leitura!

Euronews: Há sinais que indicam que a crise já bateu no fundo e que se antevê uma recuperação sustentada. Se é verdade, quando e a que ritmo se efectuará?



Blanchard: Darei uma resposta em três partes. A primeira: penso que evitámos o pior, o que são excelentes notícias. O segundo ponto: os indicadores económicos para o último trimestre de 2008 e primeiro de 2009 são extremamente maus. Não vamos voltar a ver nada assim. Mas vamos, provavelmente, assistir, nos países desenvolvidos, a um crescimento negativo no segundo trimestre deste ano, e também, talvez, no terceiro. Depois, chegará o crescimento positivo, apesar de muito próximo de zero. É provável que o crescimento seja mais elevado no próximo ano… Em terceiro lugar, e este é o ponto mais importante, vamos ter de nos concentrar na recuperação. Para já, não creio que vá ser forte, pensamos que poderemos atingir uma estabilidade dentro de três a cinco anos. Vai demorar muito tempo…



Euronews: Os mercados financeiros continuam a temer que os gastos dos governos aliados às injecções de capital por parte dos bancos centrais, em especial nos Estados Unidos, estejam a promover a disseminação da inflação a minar qualquer tentativa de o mercado dar a volta. Partilha estes receios?



Blanchard: No que toca aos bancos centrais, foi aumentado, de forma significativa, o seu portfolio, em parte porque adquiriram bens que os investidores privados rejeitaram.Mas creio que à medida que a recuperação se manifesta, os investidores privados vão querer comprar aos bancos centrais esses bens e estes vão querer vender. Por isso, não me preocupa a inflação. Acredito que o sector fiscal oferece mais razões para que nos preocupemos. Nesta matéria, os governos vão enfrentar sérias dificuldades. O que os governos não podem deixar de fazer é oferecer estímulos fiscais. A procura do sector privado, nesta fase, ainda é muito fraca. Se os incentivos acabarem, provavelmente a procura no mercado vai desacelerar e o processo de recuperação económica será interrompido. Por isso, e pelo menos durante este ano, têm de se manter os incentivos fiscais, provavelmente no próximo ano também e, talvez, no ano a seguir.



Euronews: Um problema particularmente difícil na Europa é o desemprego. Normalmente este indicador retrai assim que aparecem os primeiros sinais de recuperação. Como interpreta o actual momento? Existe o risco de a Europa vir a enfrentar uma elevada taxa de desemprego…



Blanchard: Está absolutamente correcto. A minha resposta tem duas partes. É verdade que quando o crescimento se torna positivo, esse simples facto não chega para pressionar uma redução do desemprego. O crescimento tem de ser superior ao normal para que isso se verifique. O que poderá acontecer no final de 2010 ou por volta desse período. Até lá, o desemprego vai aumentar. Na Europa, e tendo em conta o melhor dos cenários, o desemprego vai aumentar, provavelmente durante mais um ano ou ano e meio. A questão que se segue é quando vai descer. Duas coisas têm de acontecer: a procura tem de ser suficiente e o mercado laboral tem de saber responder a essa procura…



Euronews: Um desemprego elevado fere o consumo e as perspectivas de crescimento. Por isso muitos governos desenvolveram planos para estimular o mercado. Qual a sua leitura da situação actual? São necessárias políticas fiscais e monetárias mais apertadas ou chegou a altura de aligeirar?



Blanchard: Esta não é altura para se retirar nenhum estímulo fiscal ou para aumentar as taxas de juro. A economia está muito fragilizada e a procura privada muito fraca. Se se pensar nos consumidores, eles não estão dispostos a gastar. Se olhar para as empresas, elas não estão dispostas a investir. Por isso, se os incentivos forem retirados, basicamente a recuperação fica suspensa. Para já, é absolutamente necessário manter a política monetária e fiscal seguida no último ano.



Euronews: O elevado preço do crude é um risco para a recuperação económica, o que até pode provocar uma inflação excessivamente elevada associada a muitos baixos níveis de produtividade. Agora que o preço do crude aumentou que risco enfrentamos?



Blanchard: O aumento do preço complica o processo de recuperação, sim, funciona como um travão, mas não receio que vá suspender a recuperação. O aumento do preço do crude, creio, não é justificado pela conjuntura… Perante casos como este, espera-se um ajustamento. Não creio que o preço do crude atinja os 70 dólares. Se se mantiver a esse nível, penso que será um bom preço, consistente com o ritmo da recuperação.



Euronews: A regulação criada para os mercados financeiros não vai domá-los na totalidade, mas certamente vai torná-los mais transparentes, responsáveis e estáveis. No entanto, existe uma aparente discórdia entre o G20 e o G8 sobre a pressão dessa regulação. O que podemos esperar quando a tranquilidade voltar a reinar?



Blanchard: Não sabemos. Não só porque não sabemos de forma exacta que tipo de regulação necessitamos, mas porque também não sabemos que tipo de sistema financeiro vamos ter. Por outro lado, esse sistema vai depender, em parte, do tipo de regulação a que for sujeito. Ou seja, neste caso, não podemos apenas regulamentar uma parte do sistema. Temos de olhar para o todo e ter em conta os riscos no seu conjunto e analizar o comportamento dos actores num ambiente não regulamentado. Este é um dos princípios. Não tenho ilusões. Qualquer que seja a regulação vai-nos escapar sempre qualquer coisa. Só espero nque nada com a magnitude do que acabámos de ver.



Euronews: Uma última questão. Muito mudou para o Fundo Monetário Internacional durante a crise económica. A cimeira do G20 prometeu triplicar a capacidade de o fundo dar empréstimos e o fundo prepara-se para emitir títulos de obrigações pela primeira vez. No cômputo geral, o FMI está a munir-se de recursos sem precedentes. Face a esse “rearmamento”, como vê a sua influência e papel no futuro?



Blanchard: Penso que o FMI vai ter um papel muito importante se conseguir analizar os riscos num todo e não apenas os de natureza financeira, que é o caso desta crise. Basicamente, o fundo tem de estar sempre atento, já que está posicionado de forma única para interpretar o mundo. isto porque nós recebemos uma quantidade enorme de informação a que mais ninguém tem acesso. Teremos, no fundo, de estar disponíveis para emprestar quando necessário, é esse o nosso papel. Se formos bem sucedidos seremos muito importantes, e não apenas em momentos de crise, onde já provámos ser importantes, mas nos próximos dez, vinte ou trinta anos. Esse é o nosso objectivo.